domingo

- O que você quer?

Nada.

Sou triste, profunda, intensa e macambúzia.

Tudo reverbera em mim com potências mais elevadas. Eu sinto muito. Sempre.

- O que você quer da vida?
- Quero morar em Berlim um dia.

- Mas e os planos até o final do ano?
- Quero ganhar dinheiro trabalhando com o que gosto; quero sentar na frente da TV, com a minha caixa de esmaltes, e pintar as unhas das mãos - e que isso seja um momento de extrema paz. Quero ter disciplina e concentração, para cumprir as minhas tarefas com louvor. Quero que meus cabelos sejam sempre bonitos. Quero, de vez em quando, sentir uma vontade tão intensa e primordial de dançar, que eu saia e dance, de saia rodada, no meio da roda, e que isso seja uma descarga elétrica potencializadora de toda energia produtiva que eu precisar. E que seja só isso, que isso seja em si o que baste. Quero uma casa sempre aconchegante. Quero silêncio. E aroma de incenso. Quero erês, caboclos e pombagiras falando através de mim. Quero rir do mundo, ao invés de me assustar com ele. Quero gostar, com muita tranquilidade, das pessoas - falo das pessoas de uma maneira geral, essas todas aí do mundo. Mas quero amar e cuidar de uma maneira atenta e especial o meu sangue e os meus amigos. Quero uma alegria sem arroubos; e quando o arroubo vier que ele seja um fim em si mesmo. Quero gostar da minha história e louvar minhas memórias.

- Quer mais alguma coisa?

- Posso terminar de responder daqui a pouco?
Priscila acordou no meio da madrugada. O abajur havia ficado aceso. Ela gosta de acompanhar também com olhos os corpos se deglutindo. Pulou Roberto na cama, aspirou o cheiro que emanava da pele dele - meio sexo, meio perfume. Desligou o abajur, pulou o moço de volta, se encaixou de costas na curva do peito dele que, sem despertar, a abraçou. Antes de pegar no sono novamente Priscila pensou que a magoava muito essa posição de passividade, expectativa, necessidade e dependência que sentia em relação à presença de um homem.

Quando o mundo vai deixar de ser um lugar tão cruel para as mulheres?

Priscila amava Roberto, mas odiava precisar que ele existisse em sua vida.
Priscila levantou da cama. Abriu a geladeira e tomou sorvete. Deixando derreter na língua os pedacinhos de chocolate. Sentiu frio, calçou as meias. Olhou no espelho - olha lá, o rosto já está chupado! Impressionante a sua capacidade de perder o apetite e logo desfilar uma cara de caveira!
Puta que pariu Priscila, você já não está velha demais para ainda não ter entendido?!
Tem gente que nasce para ser par. Tem gente que nasce para ser uno.
Uma vida inteira (quando foi mesmo a primeira paixonite? aos doze anos? aquele menino da ilha, que você namorava escondida atrás do carro). Priscila, espia: nenhum dos seus roteiros de amor foram bem sucedidos. Pode enumerar um a um e eu vou lhe ditar a desdita. Gente que te controla demais, gente que te angustia demais, gente desleal demais, gente que você quer demais que fique bem longe de você; gente que te deseja demais, mas não te leva; gente que te ama demais, mas que se assusta demais com você; gente que abre a vida demais para que você entre, só que, na verdade, o que essa pessoa quer é que você seja uma coisa que é diferente demais de você; gente que mora longe demais; gente que te abandona sem por quê.
Tudo revolto, tudo profundo, tudo intenso até quebrar a banca.
- Nunca mais eu vou me encantar por alguém que não me queira! - mentira, Priscila...
- Nunca mais eu vou namorar com alguém que na verdade eu nem queria, só porque a pessoa me venceu pelo cansaço! - mentira, Priscila...
- Nunca mais eu vou me apaixonar por alguém que mora longe! - ôh Priscila... pare de mentira...
Nessa coisa de amor, você não sabe ser amena.
Nunca conseguirá.
Talvez, Priscila, seja hora de encarar os fatos: você nasceu para ser sozinha.
Não ceda mais às pressões do mundo, cantarolando aquela musiquinha chata de é impossível ser feliz sozinho.
Se você prestar bem atenção - você só está feliz, justamente, quando está sozinha.
É preciso agora ter coragem.
Não ceda mais.
(ah! mas e o sexo?! talvez seja uma boa continuar essa prática de ser a saída de rotina de casais...)
A partir de agora, todos os dias, quando eu acordar para viver as delícias e me deparar com malícias, e Iansã e Omolú vierem me lembrar que eles são os donos do meu orí e não há porquê eu bailar sozinha, vou lembrar de pedir - vou fazer disto a minha oração constante e o meu mantra apaixonado:
- Mais terra, Babá... mais terra. E menos tempestade.


Paz é essa coisa estranha que às vezes nos abraça, mesmo quando a gente acha que é hora de sentir uma tormenta.
Ela vem macia e acarinha o coração da gente.
Porque às vezes o coração se cansa, se agonia, se amolece, se angustia.
Eu, moradora destinada das tempestades, já espero sentir meus pés vacilarem do chão.
Mas aí...
eis que...
uma paz inesperada bem no centro do mais lá de dentro do coração.
Talvez seja Deus, Iansã, Omolú, a Preta Velha carinhosa que me cuida e me acompanha, me dizendo
"chega aqui, essa menina..."
Um pouquinho de colo.
Não, eu não preciso sempre lidar com tudo sozinha.
Gratidão.
Vou cortar os cabelos novamente.
Cabelos grandes são para as mulheres que sabem semear.
Por mais que eu deseje, nunca me dão os meios de aprender...
O que me deram, assim que eu nasci, foi uma pequena espada, para que eu levasse a vida de punho em riste.
Imagino Omolu parado, firme, olhando fixo para o chão, esperando a hora que eu vou parar de ser intempestiva.
Puxa vida... o meu Pai não consegue ter nenhuma influência sobre mim!
Filhas de Iansã provocam sensações demasiado arrebatadoras, que são irremediavelmente seguidas de pânico e plano de fuga.
Eu já deveria estar acostumada.
Posso confessar?
Morro de inveja da maneira que as Oxuns têm de atrair os seus pares: lindíssimas e ali nas beiradas como quem não quer nada... O moço ou a moça vão se envolvendo no meio de tanto macio que nem dá para perceber o que está acontecendo.
Iansã não é assim.
Você está lá e, sem porquê, bum!, ventania no meio da sua cara! Com os seus pés fora do chão, atordoado, que porra é essa que está acontecendo, espera, me tira, não quero, me tira daqui!
Filhas e filhos de Iansã são meio assustadores.
Olho para o meu pai Omolu, metade de meu Orí, e peço cândida e carinhosa:
- Mais terra, Babá... mais terra. E menos tempestade.
Estereótipos limitam até os auspícios das cartas de tarot...!

E foi com essa frase que Jerusa engoliu a seco a sua primeira carta, do seu primeiro jogo, com a primeira das mais bem recomendadas bruxas da sua região.

Que Lourdes é bruxa há gerações. Saudada e lavrada na religião Wicca, feiticeira de pai e mãe, atende no 7º andar de um prédio gracioso, de um bairro harmonioso, de dentro do seu apartamento bem decorado, onde moram ela, gato, filhos e terceiro marido. Ostenta tudo: um cabelo black power impecável, uns precisos olhos grandes, unhas vermelhas finamente cuidadas e o mais bonito dos sorrisos. Recebeu Jerusa de camiseta branca e um saião de algodão cru. Lhe ofereceu de imediato um abraço e um copo de água gelada com hortelã. Que o calor estava impossível mesmo!

Jerusa entrou tímida no quartinho macio e fresco onde estavam as cartas que iam descrever a sua sorte. Por um segundo sentiu que queria morar ali. Não exatamente na casa, que era bonita e imponente, mas naquele quarto macio, que parecia um carinho para aqueles seus dias doentes. Porque ninguém, nem os crédulos, recorrem aos mistérios se a vida lhes corre bem. Se tudo caminha, o melhor a fazer é deixar quieto, que não é de hoje que a gente aprende que em time que está ganhando é imprudência mexer. Mas se o fio enrola, se embola entre os nossos tornozelos, se ameaça nos fazer cair, quem julgaria uma pobre mortal de correr atrás dos desígnios do destino? Porque a alma sempre acalma quando a mente encontra alguma explicação.

- Então esta, Jerusa, é a carta central do seu jogo, é a energia que está dando o tom da sua vida neste momento. - começou a taróloga.

E então virou a carta.

Foi quando apareceu um sujeito pendurado de ponta cabeça, preso pelo pé, carregando o nome maldito de O Enforcado.

- Misericórdia! Eu 'tô é fudida mesmo! - descontrolou-se Jerusa, mesmo sem saber se naquele ambiente sagrado, era possível dizer nome feio.

Pelo visto o grau de belezura do nome não incomodava a bruxa Lourdes, ruim mesmo foi receber com tamanho pavor a pobre da carta, que culpa nenhuma tinha dos traumatismos expostos da vida de Jerusa.

- Estereótipos limitam até os auspícios das cartas de tarot...! - foi o que Loudes disse. Mais para ela mesma do que para a consulente. Que àquela cantilena ela já estava acostumada. Pois algumas cartas estão fadadas ao temor ou ao desprezo, pelo simples fato de que gente não gosta de nada que não brilhe no escuro.

Às vezes a vida estanca. E se você for uma pessoa voluntariosa demais... bem... não é muito fácil lidar com isso.

O Enforcado é não conseguir se livrar da submissão.Ou, como diriam as avós, "o que não tem remédio, remediado está!". E exige, ainda que seja à revelia, uma fé absoluta. Porque é quando os seus esforços não frutificam. Já que nem toda semente vinga. Mas, que droga, você pensa - mas por quê?! Quando O Enforcado aparece, o Universo responde com um absoluto silêncio às suas perguntas. E não adianta berrar muito... Você precisa olhar pra Deus, ou algo que o valha, e relaxar. Precisa pendurar a cordinha no seu pé direito e esperar com calma. Que todo ciclo se encerra. Que toda dinâmica se reinicia.

Lourdes sorriu, maternal. Acarinhou a mão pequena de Jerusa, e insistiu: não se assuste.

O Enforcado nos obriga a 'ficar com o que é'. A inação, o vazio, a frustração, o medo, o desespero. Fique com o que é. Quem disse que isso não é viver também? Quem disse? É um convite irrecusável para olhar a situação que lhe atormenta de outra perspectiva. Quando vivemos O Enforcado, não podemos ter pressa. Não temos qualquer controle sobre a nossa vida. Quando vivemos O Enforcado, estamos nas mãos do destino. O Enforcado é a pausa antes d'A Morte. Estamos às vésperas de uma grande mudança, de uma transformação radical onde nada será como antes.

- Jerusa, um dos motivos que encarnamos neste mundo caótico, é que precisávamos aprender a respirar profundamente.

Quando estamos vivendo O Enforcado, não somos mais o que éramos e ainda não somos o que seremos. Por isso podemos nos sentir sem referência, sem base, sem raiz - sem chão.

Todo ciclo se completa. Tenha calma. Vai ser um longo caminho. O Enforcado (a inação que é imposta), A Morte (a transformação inevitável diante de algo que morre), A Temperança (o equilíbrio que surge depois de tanto contato consigo mesmo, mas aqui ainda não há uma ação contundente), e finalmente O Diabo, trazendo de volta o furor e a paixão.

- Vai ser um longo caminho. Mas viver é tudo isso.

Jerusa segurou o choro. E nem conseguiu prestar atenção ao resto do jogo todo. Que, na verdade, tudo o que precisava mesmo saber, estava encerrado ali, naquela carta assustadora. Quando falou novamente, foi só para perguntar "como a gente passa por isso da maneira menos dolorosa possível?"

As bruxas sabem como.
E foi quando Lourdes lhe respondeu:

Sentindo.

E repetiu (repetiria quantas milhares de vezes fossem necessárias): viver é tudo isso.

quinta-feira

Você não deixou eu te amar.

Você apunhalou, seco e cirurgicamente, o meu mais recente suspiro.

Você podou o meu delírio e abortou o meu verso.

Pedro, você é um assassino de poesias.

Que o verso talhado em tronco de árvore, Pedro, eu alimento das minhas sensações. 

Estancar assim uma artéria cheia de sangue vivo é cheio de egoísmo. Pedro, é cruel não deixar nascer um amor inventado. Pedro, você é um sujeito egoísta. E eu prefiro amantes altruístas. Mesmo que sem retribuição.

Agora tenho que me virar com palavras sem cadência, porque sensação estancada não alimenta rima, não têm melodia, não ganha atenção.

Pedro levou minha matéria prima. Pedro é um homem sem nenhuma consideração.
Priscila Precisa 

ficar sozinha até virar a curva.

Que ela sempre cantou ode à solitude, enquanto defendia com unhas, dentes, truques, palavras e buceta o seu assombro de ter sempre algum tipo de par.

Priscila Precisa

saber como é estar sozinha sem se desesperar.
- Eu não quero te magoar.
E eu fiquei olhando sua barba mal-amanhada, suas sobrancelhas desorganizadas e seu belo par de olhos fundos, enquanto pensava "é sério que 'cê tá me dizendo isso?!"
Não sei quantos anos cozinhando meu discurso libertário, minha autonomia emocional, minha responsabilidade pelas minhas dores e alegrias, para, de repente, aparecer um machinho mequetrefe dizendo "eu não quero te magoar"...

e u n ã o q u e r o t e m a g o a r

Não interrompi o seu discurso chato, repetitivo, mais do mesmo, de que-eu-já-sofri-muito-e-não-quero-mais-me-envolver. Deixei ele falando suas filosofias sobre o amor, acreditando que estava me ensinando muitas coisas sobre a vida. 
Por que eu não falei pra ele calar a boca?!
Por que não emiti um simples "me magoar de cu é rola!" ?
Eu fiquei completamente muda, deixando ele monologar enquanto ia sentindo os meus olhos marejando.
Porque, sim, ele estava me magoando.

Quando o conheci, coisa de dois meses antes, eu desfilava bonita, sexy, livre, leve e fagueira pelas ruas da cidade. Com todos os antigos amores paixões e paixonites zerados, dormindo nas caixas bonitas das minhas experiências intensamente bem vividas. Eu estava naqueles raros momentos de perfeita sintonia entre corpo, cabeça e coração. Não por acaso ele puxou uma cadeira e perguntou se eu tinha uns vinte minutos pra uma boa prosa.

Pedro era massa.
Papo fluido, senso crítico, sarcasmo, sorrisão, gostava de boteco sujo e não se incomodava com aqueles restaurantes da moda onde todas as pessoas são iguais, amigo da ex mulher, um pai com todos os atributos de uma boa mãe, carinhoso, divertido, cheiro bom e, pelo amor da Pombagira, como trepava gostoso! 
Então, em nome de Jesus, alguém me dê pelo menos um motivo pra eu não me apaixonar!

E esse é o tipo de coisa que escapa dos olhos, não é mesmo? Era palpável o meu encantamento. 

Pedro foi dando pra trás. Tirou um chamego daqui, uma disponibilidade dali, acrescentou uns silêncios acolá. Saquei, que eu não sou menina, mas continuei pagando pra ver. Até que ele me deu como prova um desleixo, um desdém e uma frieza, tudo no mesmo pacote. Me convenci, e já estava pegando o meu cavalo gripado e tirando ele da chuva, quando teimei em dar ouvido pro demônio do benefício da dúvida. Eu podia muito bem ter desaparecido da face da Terra sem falar nada, mas resolvi pegar minha linda, macia e bem cuidada cara e botar ela pra bater. "O que é que 'tá acontecendo?" - perguntei. Foi quando aquele "eu não quero te magoar" estalou estridente bem no meio da minha bochecha.

Nunca parei pra contar quantos homens não quiseram se encaixar nos desenhos que projetei pra eles na minha vida. Assim como nunca me foi importante contabilizar quantas vezes recusei convites pra uma contradança. Eu sempre entendi que isso faz parte da vida. Pronto. A gente lamenta um pouquinho, porque frustração e rejeição nunca são coisas fácies de digerir, mas nada que um chá de camomila e um lápis de olho não resolvam. Às vezes com mais ou menos drama, mas se há uma verdade sobre a vida, é que dor de desejo mal correspondido, passa - sempre.

Quantas vezes cada pessoa deste mundo teve que administrar uma recíproca não verdadeira dentro de si? Algumas pessoas bem poucas vezes, que seja, mas existe coisa mais humana do que projeções de desejos que não se encaixam um no outro? Tanto, que quando se encaixa, é uma festa!
Então não, ninguém tem o direito de achar que quereres desencontrados são a mesma coisa de uma pessoa ferir outra deliberadamente.

Você não tem esse poder, Pedro, você não pode me ferir. 
Eu te quero e você não me quer. Onde a palavra mágoa participa dessa história? Deixe de ser arrogante!

Foi isso o que eu pensei na hora.
Mas permaneci calada.

Quando Pedro me disse "eu não quero te magoar", ele me classificou como alguém que pode se desmanchar por uma coisa tão corriqueira. Quando Pedro me disse "eu não quero te magoar", ele me disse que eu não tinha capacidade de manejar os meus desejos e as minhas expectativas. Quando Pedro me disse "eu não quero te magoar", ele tirou de mim a minha responsabilidade sobre a minha vida.
Pedro quebrou a minha coluna.
E isto sim, me magoou profundamente.

Quando ele terminou de falar, eu só consegui balbuciar "entendi", lhe ofereci o meu melhor sorriso amarelo, peguei minha bolsa e me despedi.

Eu poderia, naquela noite, ter dito todas estas coisas para Pedro. E eu estou certa que ele ouviria com atenção e que, talvez, contra argumentaria. E não que fosse mudar alguma coisa, mas eu teria dito o que sou e o que acredito. E Pedro automaticamente ganharia a sua caixa bonita nas minhas memórias, ao invés de ter virado um fantasma feio, que insistia em me incomodar.
Eu poderia, naquela noite, ter dito todas estas coisas para Pedro.
Se eu as tivesse percebido na hora, e não só agora, três anos depois.

É por isto, Pedro, que no terreno dos desejos não correspondidos, a gente não deve trabalhar sob os termos da mágoa. Porque fantasmas, sim, é que são coisas bem difíceis de se livrar.
Olhou no espelho. Não para medir olheiras ou as linhas do tempo que começavam a se anunciar. Olhou no espelho como forma de melhor prestar atenção a si mesma.
Olhou no espelho e sussurrou, com delicadeza e sedução:
- ... goste de mim...!
Querer é uma coisa que não cessa.
Anota uma coisa, Berenice: 
querer sufoca
Mas não parece que se parar de querer a gente morre?
O que sobra, Berenice?
Você não se assusta, que SER se resuma a uns tantos quilos de vontades alimentadas? de desejos acalentados? de projetos a serem alcançados? Você não se assusta que se a gente furar o saco das Coisas Que Se Pretende Ser Experimentar Possuir e Viver, não sobre nada? Você também não aprendeu direitinho que é Caminhar Em Direção Aos Objetivos o que te move?
Berenice... se você for uma daquelas pessoas que não são boas com desafios? se for uma daquelas pessoas que não sabem parecer especiais? se você for uma daquelas pessoas que não acredita em nenhum tipo de competição? se você olhar pra cima e perceber que o sol já está aí mesmo e portanto não tem sentido lutar por algum lugar sob ele? se você não tiver nenhum, nenhum mesmo, em nenhuma hipótese, talento pra esse negócio de lutar? se você sempre achou entediantes todos os jogos de sobrevivência deste mundo? se você for tão medrosa e tão superprotegida que não vai querer porra nenhuma de matar leão, até porque são animais lindíssimos e merecem viver? se entre as ~ batalhas da vida ~ e a ~ sensação de que as coisas podem simplesmente lhe acontecer ~ você preferir a segunda opção? 
Vão lhe chamar de covarde, Berenice?
Você vai ser uma fracassada?
Eu agora só consigo ficar imóvel.
Quando vão começar a me xingar e me fazer cobranças?
Berenice, às vezes a única coisa que a gente precisa é que a Mágica aconteça...
- Não pode mais desejar.

Budismo?

Não exatamente.

- Não pode mais querer coisas.

Quem tem coragem de jogar este jogo?

"DANCE COM O QUE CHEGAR À SUA PORTA."
(no mínimo é uma boa frase para a minha próxima tatuagem...)
Acordei de um pesadelo, vou contar pra passar o medo.
Eu tinha marcado com um amigo de assistirmos uma peça.
Eu ia no teatro buscar os convites.
Era um monólogo de Tereza Seiblitz (por que, subconsciente?).
Ela me via na bilheteria e ia ela mesma buscar. Me encontrava sentadinha num banco bucólico, à sombra de uma árvore. Na hora de passar os dois papeizinhos pra mim, ela alisava a minha mão - e eu safadamente correspondia. Aí a gente começava a papear e a flertar, e coisa e tal, e tudo muito bom, e ela tinha que ir pro camarim se arrumar, e na hora de se despedir me tacava um beijo. Beijão! Bom! Delícia! Só que de intenso, o beijo ia ficando assustador, porque ela machucava a minha boca e cravava as unhas (de uma maneira ruim...) nas minhas costas. Quando eu conseguia me desvencilhar, eu estava em pânico! P â n i c o. Eu nunca senti pânico na vida, sabe deus onde meu subconsciente foi achar tão bem a sensação dentro de mim, pra conseguir reproduzir com tanta intensidade.

Aí eu corria pelo Parque Lage (porque no sonho o Parque Lage dava em minha casa, que é em Copacabana... [quer dizer, o subs tá até introjetando os lugares da nova cidade, mas, como ele bem sabe fazer, mandando beijos pra coerência, né...]) e eu me batia com quem???? Com o meu amigo! E eu contava, quase chorando, o que havia acontecido. E então surge um ex-colega de faculdade, com quem eu não tenho mais contato. E ele, que tinha um jeito super peculiar de falar, meio lento meio irônico meio posudo, me dizia que já tinha assistido a peça, que a dita falava sobre hipnose. E então surge uma menina, que eu nunca vi na vida, mas que no sonho também era ex-colega. E ficavam os três confabulando sobre o meu destino.
O resultado era: Tereza Seiblitz (a cigana Dara, quem se lembra?) tinha me hipnotizado, e ela ia fazer eu sentir aquele pânico pelo tempo que tivesse vontade. Ela tinha total controle sobre mim, a menos que eu arranjasse alguém pra me desipnotizar. A questão era: alguém conhece alguém que trabalhe com isso?! Eu ia viver sob o jugo de Tereza pra sempre... Ela me torturando, sádica, me mantendo eternamente em desespero.
Agora que passou o mal estar (que eu acordei com taquicardia), a mensagem 'tá clara:
nunca flerte com atrizes.
Evoé.

sábado

Porque foi assim:
Eu vim morar com meu irmão. Eu e Margarida, minha gata mal humorada, anti-social, com leves traços de agressividade.
Meu irmão, já que tinha então que abrigar um bichinho de estimação, queria que pelo menos fosse um fofinho e que ele pudesse fazer carinho.
Com Margarida não rola... (quer dizer, rola, mas tem que aprender o tempo dela, o ritmo dela, os calundus dela e, enfim... né!).
Então meu irmão resolver adotar um gato. Escolhido por ele, filho dele, pronto.
Veio Gregório.
Que é lindo, fofo, grande, besta, pintão, carinhoso e se vacilar com a porta ele sai correndo pelas escadas do prédio.
Só que Gregório queria porque queria ser o melhor amigo de Margarida, que sendo uma gata mal humorada, anti-social, com leves traços de agressividade, obviamente não deixou rolar... (quer dizer... ela já deixa ele dormir PRÓXIMO dela, o que eu acho que foi um lindo avanço).
Então que Gregório estava sofrendo, coitadinho, doido pra ter amigxs...
Qual foi a solução?
ADOTAR OUTRO GATO!!!!
Otelo chegou anteontem.
Gregório rosnou no primeiro dia, ficou enfezado no segundo, e hoje já está pegando picula com o irmão caçula.
Margarida reina, fêmea alfa que ela é (minha filha, RÁ!), sozinha e altiva em cima da geladeira.
Gregório agora tem companhia pra brincar.
Otelo ganhou um lar.
Final Feliz.
Um beijo.
Amém.
Carta a ele.
Sou daquelas cujo derramar-se nunca é discreto. Pois se sinto, choro. E se choro, me incha os olhos.
Nunca pude sentir despercebida, pois mesmo chorando no escuro solitário do canto do meu quarto, no outro dia a cara toda me exibia.
Por um tempo, burra que fui, evitei sentir em profundidade. Pois acreditei numa das crendices doentes deste mundo, que dita que quem se afeta assumidamente, merece o cadafalso social.
Pois agora, quanto mais células minhas se entregam assumidamente ao torpor, mais dona de mim eu me sinto.
Moço, vou lhe contar uma coisa poderosa: uma das vantagens deste mundo é a possibilidade de se perder.
Moço, vou lhe contar outra coisa: eu jamais experimentaria a minha capacidade de não sentir medo de morrer por causa do julgamento do outro, se não viesse você me oferecendo seu chão sem ovos.
Porque você também sabe que eu não vou nem tentar lhe roubar de si.
Que agora, que o torvelinho chegou sem espaço para vislumbre de convivências, eu não tenho porquê sentir vontade de me proteger.
Eu sinto e choro e acordo amanhã com a cara amassada, de tão inteiro que eu senti.
Moço, eu não preciso que você me salve. Nem do meu pavor da solidão.
Com a cara inchada vou escrever poemas e recitar baladas. E se alguém me perguntar pra que, vou dizer que não é nada. Vou dizer que viver é tudo isso.
Um brinde ao movimento que só acontece através das paixões (de gente e de coisa).
Da filha do Vento.
Eparrey!
Eu fui anêmica.
Acho que durante a infância toda (minha mãe acha que eu sou até hoje, mas não, mainha, eu não sou mais...).
Então eu sei de cor todas os alimentos que curam a anemia.
Fígado bovino é um deles.
(arght?)
Eu fui no mercado e comprei fígado.
Meu irmão perguntou: "você gosta de fígado?!"
Eu fui uma criança que vivi sob intensa pressão emocional... (rs)
Porque não é que eu não gostasse de fígado, eu não gostava era de comer! (tirando iogurtes e Tubaína com biscoitos São Luis [Infância 80, última infância feliz]...).
Mas minha mãe, que não é nunca foi nunca será, de forno e fogão, foi se aprimorando na arte de cortar, temperar e preparar um bom fígado bovino! Para alívio dela e felicidade minha. Chegamos ao ponto d'eu pedir: COMPRA FÍGADO!!!
Então eu fui ao mercado e comprei fígado.
Nunca consegui cortar tão maravilhosamente fininho como mainha fazia... mas criei minha própria técnica de corte e modo de preparo.
E hoje eu cortei, temperei, fiquei com a mão lambuzada e fedorenta, cozinhei e comi.
Ficou bom!
É só uma víscera bovina sanguinolenta, de cheiro forte e aspecto nojento.
Mas pra mim é ser pequena, magrela, amarela e anêmica de novo.
É ver minha mãe, OdeioENãoSouDoLar, na cozinha.
É como no dia que ela estava cozinhando, e eu na porta da área de serviço tagarelando enquanto me equilibrava no pedaço de quartzo rosa que segurava a porta, e eu caí. E eu não podia cair, porque eu estava me recuperando de uma cirurgia, e estava cheia de parafusos no quadril, e nesse dia eu achei que minha mãe tinha morrido por 3 segundos, mas eu estava de boa, porque aos 11 anos você ainda acredita que tudo dá sempre certo.
Fígado bovino me lembra a casa que morei na infância e me lembra mainha na cozinha.
Fazia bem pro meu sangue, e agora acarinha a minha alma.
Ainda bem que eu aprendi a gostar de comer.
Porque COMIDA É LINDO!
Transferi meu título pro Rio e não deu outra - fui convocada pra ser mesária.
Tô cansada? Tô.
Tem gente de todo tipo? Tem.
Às vezes fica tenso? Fica.
Tem gente que sai de casa pronto pra brigar por qualquer motivo? Ô seres humanos, evoluam aí, namoralmermo.
Mas eu achei divertido? Um monte.
Eu achei o máximo viver as eleições de outra perspectiva? Meu bem, eu sou geminiana e o meu sobrenome é novidade.
Já vou feliz trabalhar de novo no segundo turno? Como não amar a festa da democracia?
é mesmo difícil eu ficar MESMO bêbada, porque eu bebo muito devagar.
mas a primeira porta da abertura de consciência dos psicoativos, sim, eu atravesso.
e é bom atravessá-la
pobre de quem só se conhece no terreno dos auto-controles...
daquelas informações que a gente teve contato uma vez na vida e nunca mais esqueceu, eu, uma vez, estudando teatro da grécia antiga, li que para Dioniso (o deus do vinho e do teatro), o estado de embriaguez era o verdadeiro eu.
quer saber?
eu até queria viver constantemente assim
mas me falta brio...
me resta a embriaguez branda de alguns finais de semana
me é suficiente.
é o que me leva a estar aqui, ao invés de tomada banho, passada alfazema, deitada na cama quase a dormir
por exemplo
já que o horário de verão acaba de começar e, por força das circunstâncias, vou ter que acordar daqui a pouco
(questiono: se alguém que não me conhece, que nunca ouviu a minha voz aguda fazendo piadas auto-depreciativas, levaria muito à sério algumas coisas que eu escrevo?
bem...
só os meus amigos leem o que eu escrevo
não há com o que eu me preocupar)
então
eu devia estar dormindo
e não desabafando para o etéreo, numa rede social...
mas estou levemente bêbada
levemente corajosa
levemente de frente para mim mesma, sem pudores ou demais auto-controles
<<< quando a gente quer mais do que vem no prato, é foda >>>
quer outra informação passageira que me ficou pra sempre?
no meu curso para descobrir a minha palhaça (alguns atores fazem dessas coisas), um comando era uma constante:
- engole.
qualquer coisa que lhe incomodasse.
qualquer exposição ao ridículo
qualquer limite ultrapassado
qualquer quebra da expectativa
qualquer dor, de qualquer ordem
- ENGOLE.
aprendi
mas nunca, nunca mesmo
me conformei com isso
ÀS VEZES O QUE A GENTE PRECISA É TACAR O PRATO COM COMIDA INSUFICIENTE, BEM NO MEIO DA CARA DE QUEM NOS OFERECEU.
sempre desconfiei:
o meu palhaço é um Bufão.
deve ter havido um acordo muito sério entre mim e deus (ou algo que o valha) nesta encarnação, para que nada, nada mesmo, nadinha mesmo mesmo, em qualquer área da vida, que eu criasse expectativa, acontecesse.
basta eu querer, pra não acontecer (quedê aquele ditado cretino que ensinam pra gente?).
a mim só é ofertado as surpresas.
na minha vida só floresce o que quer florescer, independente do meu engajamento, planejamento ou vontade (quem é que manda na porra da minha vida, afinal?!)
chega a me dar suor frio quando eu desejo;
seja coisa ou seja gente.
não posso desejar, pronto.
caceta!
já me retei?
já.
já mandei deus ou algo que o valha à merda?
já.
já disse que machuca este pobre coração, não ter sentido nunca a sensação inenarrável de ver um desejo realizado?
menina... eu sou muito boa nesse negócio de ser dramática; até conversando com minhas divindades...
as coisas boas e bonitas que acontecem na minha vida,
e as pessoas boas e bonitas que aparecem na minha vida querendo ficar,
vêm quando eu não estou nem prestando atenção.
isso já se repetiu tanto e tanto e tão exaustivamente, que não posso negar que é um padrão.
vou me inspirar em Leminski e tatuar no braço:
"distraídos venceremos"
fim
Claro que eu conhecia a lenda. Mas era uma imagem que não aparecia na minha cabeça. Era um arquétipo que eu não associava. Porque a primeira coisa que vem à cabeça quando se pensa em Iansã, é o vento. O vermelho. A chuva. As tempestades.
Às vezes (e torço para que minha Oyá não seja das mais ciumentas...) eu me pego desejando outros atributos. Fecho os olhos, aperto as duas mãos com força e peço repetidamente: menos ventania, menos ventania, menos ventania.
Menos furacão.
Menos ciclones dançando entre si dentro da minha cabeça.
Mas o búfalo!
Gente. Eu nunca tinha pensado nele.
Búfalos são herbívoros.
E só lutam para se defender.
Muitos leões juntos são necessários para os abater.
São grandes e feios.
Sisudos e silenciosos.
Implacáveis, assustadores, fortes.
Como Ogum não se apaixonaria vendo que de dentro de um búfalo saiu uma mulher?
Aquela mulher.
Preciso me olhar no espelho com mais mistério.
Para identificar direitinho quando eu estiver sendo ela dentro dele, e quando eu estiver sendo ele dentro dela.
Que meu búfalo seja muito bem vindo!

segunda-feira

Em todas as datas festivo-comemorativas (Carnaval, Parada Gay, Dia do Samba, 2 de julho, o que mais vier), o Campo Grande fica interditado. 
Ok, essa parte eu já entendi.
A solução menos cansativa pra mim é descer e pegar o ônibus na Garibaldi.
Mas eu e minha cara de assaltável sentimos medo de descer uma ladeira
deserta
num
dia
de
feriado. 
E, como todo mundo sabe, Salvador 'tá barril!

Então eu decidi pedir informação pro pessoal da Transalvador, que estava organizando o trânsito:

- Os ônibus que passam aqui no Garcia estão indo por onde?
(a mulher ficou calada, olhando pra minha cara)

- Não 'tá vindo ônibus do Campo Grande não... - finalmente respondeu.
(desta vez quem ficou calada, olhando pra cara dela, fui eu)

- A senhora vai pra onde? - então perguntou.
- Pro Iguatemi.
- Xiii... Não vai ter como a senhora ir não...

(coisas assim me fazem odiar desconhecidos)

Fui paletando até a Estação da Lapa.

Cheguei no local que ia fazer meu trabalho um tantinho mais suada que o necessário, mas nem um segundo atrasada! Logo, tinha dado tudo certo, que eu ficasse feliz então!

Trabalho realizado, cachêzinho - pago em espécie - escondido na bolsinha do batom (eu nunca fui assaltada por uma mulher e, contando com a heteronormatividade vigente, escolhi tal lugar para tentar proteger o meu dinheiro).

Mas eu, que sou lerda, esqueci do trânsito modificado, e peguei o mesmo ônibus de sempre. E tive que descer onde?
Na Garibaldi.
E não me restaria nada além de 
subir
a ladeira
deserta
num
dia
de feriado.

E ela não estava tão deserta assim!
Viva!

Só que lá pelo meio eu, que ando rápido, me vi sem "companhia": ninguém caminhando na minha frente, um grupo subindo festivo, mas já muito atrás de mim, e um pouco à minha frente dois homens.

Olha... depois que você é assaltada SEIS vezes, e dois homens que estavam parados, numa área conhecidamente problemática, te olham, se entreolham e vêm andando na sua direção, você não acha que eles estão atravessando a rua; você não acha que eles te acharam gostosa e querem bater um papinho; você corre, mamãe!
Eu disse corre - MESMO!

Estou com as pernas bambas até agora.

**** Um viva à Independência da Bahia! ****

quarta-feira

A maior parte do corpo é o peito.
E não estou me referindo à caixa torácica.
Também não é nada sobre mamas e mamilos.

O peito é a porta.
Que entra
ar
medo
sopro
bolhas
pancadas
festas
tentativas de homicídio
cosquinhas
...
...
...
e tanto mais
e sem fim.

Deixo aberta.

Tudo quer dançar.
Acabei de ler NUM COMENTÁRIO de um texto de Xico Sá que A MULHER ACABA AOS TRINTA E CINCO ANOS (1 - sim, às vezes eu cometo a insanidade de ler comentários; 2 - sim, tenho lá minhas ressalvas a Xico Sá mas, assim por cima, eu gosto).

O texto fala das mulheres ultra ressabiadas com a lábia masculina e que, por causa disso, não botam fé em mais romance nenhum (aquela história chata de Mulher Presa X Homem Predador... meu cu! mas, sigamos). O texto é engraçadinho e eu sei que têm mulheres e homens às pencas daquele jeito. Até aí tudo bem, mas vi que só havia um comentário até então, e resolvi lê-lo.
Era de uma mulher. E ela defendia as Ressabiadas de Plantão. Dizia: "se você tem até 29 anos permita-se viver e talvez ter um romance mas depois dos 35, no fim da vida dedique-se à outros hábitos…". Aí blá, blá, blá, pra terminar assim: "Eu cá para mim penso q depois dos 35 a mulher acaba…"

Uma vez eu estava fazendo um trabalho com um monte de gente que eu não conhecia. E tinha um cara todo prosa contando sobre uma mulher que estava a fim dele, mas que ele não queria pegar porque ela era 'velha'. Lá uma hora ele disse quantos anos ela tinha.
TRINTA.
Eu, que estava dentro de uma van, vestida de 'fada da floresta', pronta pra fazer uma peça infantil ruim numa festa de aniversário, tinha então 30 anos.

Outro causo:
Um dia uma aluna (de uns 6, 7) perguntou se eu era casada. Eu disse que não, ela ficou entre triste e indignada e perguntou minha idade. Trinta e dois.
- Trinta e dois anos e ainda não é casada?! (a menina devia ter uns 6 ou 7 anos, note bem!)
Pelo que lembro respondi algo como "Oxe, Maria Júlia, não é obrigado a casar não, viu?!"
Aí as outras crianças interromperam a conversa e quando eu já tinha esquecido, ela voltou:
- Pró, você não parece ter 32 anos. Você parece ter uns 20; então você ainda pode casar!"

Eu lembro que neste dia eu só pensava "não avançamos nada! não avançamos nada! não avançamos nada! alguém me leva embora deste planeeeeeeta!"

Bem.
Eu só queria dizer que daqui a um mês eu faço 34 anos.
Acabei de mudar de cidade.
Tenho sérias dúvidas em relação à profissão na qual me formei.
Interrompi o começo de outra graduação [[[que acho que é a paixão da minha vida, História te amo, lá lá lá]]] e, pelo que tudo indica, vou ter que recomeçar do zero.
Solteira, sem filhos.

O povo me dá 27, 28, até 19 já me deram! (depende da roupa que eu tô vestida, já percebi ... rs). Então talvez por isto eu ainda não tenha começado a perceber os efeitos do que é ser considerada uma Mulher Velha (sim, segundo a moça do comentário, aos 35 já acabou, irmã!). E, se ser Feia é a pior coisa que pode acontecer a uma mulher, e ser Velha é sinônimo automático de feiura, avalie como este nosso mundo trata as Mulheres Velhas...
[[[[[[eu tive a sorte na vida de ser bolsista da iniciação científica de uma pesquisadora que estuda envelhecimento; e uma das ideias que ela defende é que devemos desconstruir a ideia pejorativa que gira em torno da expressão Mulher Velha]]]]

Eu até brinquei de mentir a idade, mas dá um trabalho tão surreal [e é uma coisa tão ridícula!] que eu {{{envergonhadíssima}}}, parei.

Eu não tenho "cara" de 34 anos e não tenho a vida (profissional/acadêmica/financeira/afetiva) que se espera de uma mulher de 34 anos.
Mas eu tenho, gente... eu nasci em 1980, fazer o quê...?

E estou longe de estar morta.

Mas a minha grande dúvida é: eu sinto pena ou sinto medo das pessoas que pensam assim?
Eu conheci poucos, muito poucos, filhos de Ogum. Mas foram os homens mais gentis, e calmos, e doces e carinhosos que eu conheci na minha vida. O que sucedeu então a esta filha de Oyá? Paixão na certa. Era outra imagem que eu tinha... esperava que fossem mais bélicos (porque, sim, sou dessas que acreditam que arquétipos de orixás influenciam personalidades). Talvez sejam - mas vai ver sabem escolher bem as suas guerras.
Eu nunca parei pra ler as lendas de Ogum. Nunca sabia direito se era terça ou se era quinta o dia de vestir azul. Ogum nunca entrou nas minhas alegorias. Para ser bem exata, nunca lhe dirigi a palavra.
Mas creio que não seja ciumento.
E creio que agora eu deva aprender mais sobre ele.
Por algum motivo xs cariocas amam São Jorge (ai... o sincretismo... mas, ok, não é hora de discuti-lo). Porque eu, recém chegada, tateando ainda receosa e tímida as paredes da cidade, penso que me aproximar dele pode ser uma boa forma de ser bem recebida.
Afinal, filhos de Ogum sempre souberam como cuidar bem de mim.
OGUNHÊ!

Eu não ando só.
Não é uma metáfora.
Eu
não
ando
só.

Não é uma religião também.
Não sigo religião alguma.
Nem mesmo esta, de onde vêm estes que não vejo, não entendo, não explico mas, mesmo assim, e com toda a intensidade, amo.

Não sou também "Deus Também" (ou sou... afinal este texto está com muitos 'nãos'...).

Mas daqui, de onde posso falar com certeza, só posso afirmar que sou um espírito sem lembranças, encarnado neste mundo que não gosto (tá... às vezes eu gosto.)

Gosto de vê-los mais como amigos, e me desculpe se isto soa como desrespeito ou heresia.
Mas é verdade.
Gosto de vê-los mais como irmãos. Como companheiros da viagem.

É certo que os demando muitos pedidos, e isto não parece tanto com uma amizade equilibrada, mas os retribuo do jeito que posso, do jeito que sei.

Este texto é uma forma.

Eu não ando só!
Porque não quero e porque não preciso.

Pois há uma mulher vermelha sempre ao meu lado. Desde antes que eu nasci. Ela me faz ser esta substância sem matéria que não se pega, não se guarda e não se molda. Eu sou vento. Eparrei, Iansã!

Há um velho curvado que não mostra o rosto, da cabeça aos pés coberto de palhas. Ele me ampara. Ele me nina. Ele me cuida. ELE ME CURA. Omulú anda comigo e é ele próprio quem me cura. Atotô!

Não foi Nanã que me escolheu.
Fui eu que escolhi ela.
Eu precisava tanto de silêncio!...
(onde mais eu ia achar?)

Eu tinha uma birra imensa com Oxum. Aqui do meu jeito herege de lidar com os orixás. Eu achava desleal. Eu morria de inveja (em termos mais técnicos pode ser chamado de Sérios Problemas de Autoestima). Mas sabe o que uma inveja curada vira? Vira uma Admiração Transformadora.
Então foi neste caminho de cura que Oxum entrou na minha vida. Um dia ela me puxou pelo braço e disse "tá bom filha de Iansã, chata, para de apontar essa porra dessa espada pra mim e senta aqui que eu vou te dar umas coisas!" (mentira que ela não falou assim... [risos] é que, na moral, é muita sinuosidade, eu não sei reproduzir!)

Mas, olha, Oxum não entrou na minha vida porque ela perdeu a paciência (que falta de paciência é um charme reservado à nós, né, Mãe? rs).
Oxum entrou na minha vida porque ela viu que eu precisava.
Foi um ato motivado pelo desejo de ver o outro feliz.
Quando isto não representa nenhum prejuízo para quem está ofertando a ajuda, creio que pode ser chamado de Um Ato de Amor.

O pedaço mais longo do texto foi para falar de Oxum. Acho que isto alimenta a vaidade dela (rs). E nem foi de caso pensado nem nada, apenas fui escrevendo, escrevendo, escrevendo. 'Tá vendo, Rainha, eu também fico boba, encantada e perco a hora quando olho pra você...
(um beijo de batom vermelho na ponta do seu espelho!)

Eu sei que este texto parece literatura, mas não se engane.
É um Testemunho.

A minha saudação de amor àqueles que caminham comigo.
Povo da Rua, Caboclos, Êres, minha Iansã, meu Omolú, minha Nanã, minha Oxum.

É gente demais para sequer passar pela minha cabeça que um dia eu andei, ou vou andar só!

ASÈ!
Eu faço drama. Muito.
Fundamentalmente nos roteiros de amor.
Carente, insegura, com uma necessidade contraproducente de auto preservação, arredia, complexada, compleeeeexa.........
Choro da cara inchar e escorro pela parede.
Fico macambúzia, solitária, faleço.
Eu faço mesmo muito drama.

O que eu não esperava era que fosse exatamente este o segredo para eu zerar cada drama de amor mal amado, mal vivido, mal resolvido ou parcamente correspondido.
Eu espiava de canto de olho alguns seres humanos arrastando corrente por aí, marejando os olhos pra falar de ex dos tempos de colégio, enquanto eu, orgulhosamente, nunca vivi um drama com rebarba de outro.
Eu não carrego fantasmas.

Porque sofro.
Até o talo.
Com o defunto.
Ainda quente.

Agora eu tinha um cenário perfeito para um drama daqueles...!
Amantes desafortunados que tiveram o romance interrompido por uma viagem para longe e sem volta.

Mas eu não posso parar.
Simplesmente não tenho como me dar ao luxo de morrer um pouquinho, como costumo fazer, até a ferida sarar.

Então eu acho que peguei o drama iminente e soquei ele numa gaveta.

Porque agora tem muita vida nova em cada esquina!
E uma saca de sementes que demandam braços dispostos e olhar alerta.

Definitivamente.
Não é hora.
De morrer.

Coloquei a saudade num saco e cada vislumbre de tristeza eu engulo; com choro e tudo.

Agora não. Agora eu não posso.
Agora eu não quero.

Mas vou deixar, viu...?
Lá uma hora, quando as coisas por aqui assentarem, quando for estabelecida alguma rotina, quando a vista começar a se acostumar com a paisagem, quando eu, auto-controladora que sou, sentir que a minha vida está novamente nas minhas mãos, vou deixar o drama-de-amor chegar.
Como uma avalanche.

Porque eu acredito que lutos bem vividos, além de serem momentos lindos, têm efeitos estupendamente poderosos.
(...!)

segunda-feira

Tinha um jeito muito particular de matar as coisas.
A punhalada, embora fosse sempre cheia de energia, nunca acabava de uma vez o serviço.
Talvez fosse o seu desejo de não estar certa.
Feria, doía, sangrava, traumatizava. Mas não matava.
Era boa em se recuperar, talvez por isso não exitasse em golpear. Se não fosse nada, convalesceria, se recuperaria e exibiria com charme a cicatriz. No máximo, uma boa cicatriz, com uma bela história pra contar.

Por isto
nunca
exitou
em golpear.

Doces ilusões, doces ilusões... e lá chegava a hora de golpear de novo...

Dois compassos (quase monótono).

Mas sabia quando chegava a hora de encerrar um capítulo!
Tinha o talento de perceber quando não havia mais por onde preencher o roteiro.
E aí sim, então, o golpe fatal.

Que nem precisava ser com tanta força, já que a carne estava ali enfraquecida, vulnerável ainda, debilitada.
Mas sabia o exato ponto onde o corte era mortal .

Nenhum enredo deve ser abortado. Pois todo conto é vivo. E toda vida vale o esforço.

Quem não ama os passionais?
Muito se engana quem pensa que são cegos.
Os passionais vêem tudo.
E se jogam
despenhadeiro abaixo
mesmo
sabendo
que
no fim
encontrarão
o solo
seco.

Passionais são apaixonados é pela queda livre.

Quem não os teme...?

Punhaladas, punhaladas, punhaladas, fim da queda, corpo ao chão, golpe fatal.

Até encontrar o próximo despenhadeiro.
Como resistir?
A vista é enebriante.

sexta-feira

Fui no oftalmologista fazer (pela primeira vez!!) minhas lentes de contato (miopia, mano!). O médico, um senhorzinho sorridente, simpático, conversador, colocou aquele troço no meu olho, eu lacrimejei feito uma carpideira e ele perguntou:
- Você mora onde?
(pertinho, bem pertinho do consultório)
- Então eu quero que você vá pra casa, e volte cinco horas.
(... oi?)
- Vá pra casa, faça tudo o que você faz normalmente, assista tv, vá pra internet, arrume gaveta...... e volte às cinco horas.

Eu fiquei paralisada na cadeira, sem entender o que estava acontecendo.
- Eu preciso saber se você vai se adaptar, e não tem sentido deixar você aqui até 5 horas, se você mora tão pertinho!
(ah...)

Levantei e saí.
Levantei, com as lentes de contato já devidamente colocadas nos meus olhos, peguei minha bolsa e saí.
E saí!
Eu tô em casa!

E se eu fosse uma ladrona?!
E se eu não voltasse nunca mais?!

Eu não paguei ainda não, gente!
Esse médico é bom, é doido, é bobo, ele é o quê?!

PS¹: eu vou voltar.

PS²:lentes de contato é um negócio que faz você enxergar tão nítido, que parece que o divino espírito santo pousou nos seus olhos...!
De tanto escarafunchar a pele, à procura do que era seu e do que havia sido colado em si, se viu diante de um prato transbordando dos estereótipos que tanto questiona.
Só que, no caso dela (que surpresa!), não eram estereótipos.
Era a pele mesmo.
A nossa vida é um livro incrível, de uma escritora ovacionada por público e crítica, que escreve coisas cult que viram best seller.
É o cotidiano, com sua dramaturgia extraordinária, que fornece sempre as histórias mais dignas de serem compartilhadas.
Os escritores são estes seres mágicos, que criam realidades inteiras como se fossem saídas de suas cabeças, apenas porque entendem com mestria a dinâmica novelesca o que é ser alguém que vive neste mundo.
E de todas as coisas, de todos os dramas, de todos os orgasmos múltiplos, a que mais gostamos de falar/escrever/cantar/dançar, é aquela que vem do encontro de um universo particular com outro. Mas quando é profundo ao ponto de entender-se que ali há algo que foge às repetições. É quando se agiganta, se destaca, quando há uma elevação potente que move tudo em nós e à nossa volta. É esta coisa comumente chamada de amor, de paixão, de enamoramento. O amor move. Porque é algo dançando dentro e em torno da gente.
(((psiu... não elucubremos agora sobre as desditas próprias dos relacionamentos! agora não... agora é a hora da magia alienada do encantamento)))

- Não era hora de encontros de alma, Berenice... - fala minha razão, que não tem nenhum talento para perceber bons roteiros.
Responde a minha pulsão insana, que é ferozmente alimentada por intensidade e drama:

- Para que melhor potencial criativo?

Um brinde às paixões súbitas, nas horas impróprias!
Eu não sou mãe.
É provável que eu nunca seja (digo 'provável' porque tenho uma capacidade de mudar radicalmente de convicções, que até a mim assusta). Mas, por enquanto, eu olho para minha vida e a vejo seguindo mais a contento sem nenhuma criança.
Mas eu estou cada vez mais cercada de amigas e casais com filhos. Receber a notícia de que 'Fulana está grávida' já deixou de causar surpresa (no começo me assustava). Virou rotina, quase. Fico só aguardando as próximas...! (rs)
Fora isso, eu trabalho com crianças há anos, o que me dá alguma familiaridade com o assunto, embora eu não tenha a menor ideia do que é estar com uma dentro da minha vida.
Mas eu sei que (e ninguém precisa ser mãe ou pai para saber isto - e por isto esta deve ser a decisão mais bem pesada de toda a existência de cada pessoa sobre a Terra), a chegada de um filho é uma morte e um renascimento.
Nada, nunca mais, será como antes. E para esta afirmação não ser apenas mais um chavão batido, eu precisaria de uma disposição e poesia tamanhas que agora eu não me sinto capaz de produzir. Então me contento em apenas repetir: ao receber um filho, a sua vida NUNCA MAIS será a mesma.
Mas eu tenho achado que às vezes as mães e pais que, em alguma instância, escolheram por isto (mesmo nos casos de "ops! aconteceu um acidente!") não se conformam com tal fato supremo. E aí...
... aí é muito sofrido.
Para todo mundo.
Mãe, pai (às vezes só a mãe...) e a criança.
Eu estou com vontade de chegar para cada mulher e homem que pretende ter filhos e falar, com toda a gravidade que o meu semblante for capaz de produzir: a sua vida vai acabar, está entendendo? E você precisa desejar que a outra comece.
Parem de brigar porque uma pessoa veio e lhes roubou as suas rotinas!
(inclusive as rotinas emocionais...)

Deve ser incrível ter um filho!
Das coisas deste mundo, talvez a mais significativa!
Mas é preciso ter espaço (ENORME ESPAÇO) em si para isso.

Nem todo mundo tem (ou nem todo mundo quer disponibilizar-se para ter).
E não há problema nenhum...
Nenhum.
Viu...?
É só escolher um método contraceptivo.

Mas se a criança já veio e você ainda está, tal qual um espírito no umbral, lutando contra isso, apenas pare.
Respire.
Você morreu.
Não há mais nada que possa fazer contra isso.
Chore um pouco, se achar necessário, mas respire novamente.
Abra o peito. Dilate cada costela do seu peito.
É a sua vida nova agora.
Sua vida NOVA.
AGORA.

E para sempre.
(por favor, pare de lutar contra isso